Leitura do texto para a Prédica: Marcos 3. 31-35
Prezada Comunidade:
Eu me lembra que quando nós éramos crianças a gente bruncava muito com os nossos primos e primas. Hoje, em muitos lugares, as crianças nem conhecem mais seus primos e primas. Não faz muito tempo nós conheciamos as famílias dos membros de nossa comunidade. Conheciamos seus filhos e filhas. Como é isso hoje? Os filhos filhas depois que cresceram ainda acompanham seus pais na igreja?
Por que não? Por que a igreja parou no tempo e deixou de ser interessante para os filhos?
No tempo de Jesus, a família sempre foi entendida como a grande família, como clã, como unidade econômica, social e política, não como a família pequena e fragmentada de hoje; alguns comentaristas supõem que José, o pai de Jesus, já esteja morto, pois não aparece em nenhuma das listas dos familiares, sendo Jesus, como filho mais velho, portanto, o arrimo da família, o substituto do pai tanto no nível econômico, como no nível legal e social; como filho mais velho, coube a Jesus em diálogo com sua mãe Maria intervir em muitos problemas familiares. E Jesus deve ter feito isso pelo menos até os seus 30 anos.
Ou seja, até os 30 anos Jesus desempenhou esse papel junto aos seus familiares que a sociedade esperava de Jesus que ele assumisse este papel previsto para ele na tradição.
Depois dos 30 anos, Jesus se nega viver este papel, incluindo em sua família todas as pessoas que estão ao seu redor, inclusive aquelas que, segundo a tradição e a lei, não podiam de jeito nenhum fazer parte de uma família tradicional.
Portanto, a fé em Jesus oferece aos convertidos a possibilidade de pertencer a um novo grupo, a uma nova família. Nesse novo grupo os laços familiares são relativizados ou até cortados. Tiago e João deixam o seu pai ao atender o chamado de Jesus. Em Joao 8, Jesus orienta a um outro seguidor que não espere em casa até que seu pai morra, que deixe os mortos enterrar os seus mortos. Também a história da Igreja cristã está marcada por atitudes de pessoas que romperam, com decisão, com mundos e mentalidades que se opunham a seu engajamento pelo Reino: Francisco de Assis rompe laços com seu pai; Lutero rompe com família e amigos quando decide ingressar no convento. E isso é assim ainda dias de hoje. Pessoas que largam a segurança da família para colocar-se ao lado dos que sofrem.
Mesmo nesse nosso mundo confuso e polarizado, a família – ao menos em teoria – é esse lugar onde encontramos aceitação, afeto, conselhos, advertencias, e apoio. Pertencer a uma família significa significa que não estou sozinho nesse mundo, que tenho um lugar. Isso também significa que a cor dos meus olhos, nem as orelhas grandes, nem minha altura – nada disso é por acaso. Mas depois de uma certa idade, vemos que os filhos na busca pela independencia ou pelo menos procuram afrouxar o controle do pai e da mae e vão se distanciando da familia sanguinea e escolhemm outro grupo como unidade de apoio. E é aí que muitos jovens também se afastam da igreja, da Comunidade de fé.
Isso é algo que vem acontecendo ao longo da história humana. Não é coisa apenas dos nossos tempos. Muitas filosofias e religioes até questionavam o pertencimento a familia de origem. Assim também ao optar pela fé em Jesus, a pessoa convertida escolhia também entrar numa nova família, onde Deus é tratado como pai e as pessoas cristãs devems er tratados como irmãos e irmãs.
Portanto, Jesus faz uma transferência da familia consanguinea para um novo grupo – a igreja – como a familia de fé.
Jesus não nega a sua família de origem, mas redefine o conceito de família, ampliando-o: é o grupo formado pelas pessoas que fazem a vontade de Deus, que têm como elo de união a esperança de um novo reino, em que as pessoas pecadoras são perdoadas, as doentes curadas, as marginalizadas, aceitas, as endemoninhadas, libertas e as que estão longe de Deus vêm para os seus braços, e não apenas um grupo de pessoas que têm como laço principal a consanguinidade e as responsabilidades e os direitos previstos na lei e na tradição.
Jesus amplia o conceito de família ao dizer: Vejam, aqui estão a minha mãe e os meus irmãos. Pois quem faz a vontade de Deus é meu irmão, irmã e mãe (v. 34 e 35). Pertencer a esta família, portanto, não é direito adquirido, mas vocação, convocação. A família assim ampliada e vocacionada passa a ser comunidade, igreja, responsável pelo que é da família e do reino de Deus. E nessa família ampliada as pessoas começam a se chamar de irmãos e irmãs.
Se a história da humanidade tem mostrado que as pessoas vão procurando outros grupos de apoio, fora da família consanguinea, podemos então nos perguntar qual a importância da família consanguinea? Ou, como nós entregamos os nossos filhos e filhas para o mundo? O que eles precisam levar de casa para não se perder no mundo?
A tradição é um fator importante em nossas famílias. Ela fortalece o nosso sentimento de identidade, de pertencimento. É através da tradição que vamos afirmando valores que farão parte do nosso jeito de ser.
Por exemplo, na tradição luterana, o trabalho sempre foi entendido como um elemento importante. A gente precisa trabalhar. A maioria dos luteranos sempre foi gente de classe média para baixo. Precisava trabalhar. Mas, quando o trabalho é feito apenas para ganhar dinheiro, ele se torna cada vez mais algo pesado e indesejado. Na tradição luterana se aprende que Deus deu a cada pessoa alguns dons. Hoje chamamos isso de vocação. Por isso, as famílias luteranas devemos ajudar os nossos filhos e filhas a estudar e trabalhar com aquilo que eles se sentem bem. Se eu tenho essa possibilidade na vida, de trabalhar com aquilo que eu gosto w com aquilo que eu sei fazer bem, então eu mesmo vou exigir de mim que meu trabalho seja sempre bem-feito. Eu jamais vou querer entregar algo mal-feito por mim, pois eu mesmo sentirei vergonha disso.
Por isso, como nós entregamos os nossos filhos e filhas para o mundo? Com que raízes vamos entregar nossos filhos e filhas ao mundo?
Nesse ano estamos celebrando os 200 anos de presença luterana no Brasil devemos também pensar sobre isso: que valores, que raízes os nossos filhos e filhas levam de nossas famílias?
Quando vemos que os jovens se afastam da igreja, nos perguntamos pelos motivos do desinteresse?
Um dos motivos certamente é que devemos sempre nos fazer a auto-crítica e nos atualizar como comunidade. Ser constantemente uma igreja mais acolhedora, mais inclusiva, mais simpática para as gerações mais novas. Isso é uma tarefa continua e permanente. Porque nós sabemos que antes de se sentir atraídos pela doutrina luterana, as pessoas precisam ser atraídas pelo lugar e jeito que somos comunidade.
Mas, é natural que a maioria dos jovens procure outros grupos de apoio fora da família consanguinea e até da igreja. Isso é algo que vem acontecendo ao longo da história da humanidade. Isso não nos deveria surpreender. Por isso, devemos investir muito na infância e no trabalho com crianças em nossa igreja. Pois as sementes que lançamos como família e como igreja no coração das crianças, essa semente vai brotar um dia. Nossos filhos e filhas quando jovens vão questionar o apoio da família consanguinea e podem até se afastar por um tempo da igreja, mas essas sementes lançadas na infância irão brotar quando estiverem construindo suas vidas, quando tiverem que tomar decisões importantes em suas vidas. Afinal, foi justamente para isso que essas sementes foram lançadas: Para que fossem boas testemunhas do Evangelho de Jesus Cristo no mundo.
Não há grupo social que não tenha história (histórias), identidade étnica, cultural, religiosa e familiar. As raízes não têm poder salvífico, mas sem elas Jesus não consegue encarnar-se em nossa vida e história. Uma das coisas maravilhosas do Evangelho de Jesus Cristo é que até hoje ele constantemente se encarna na realidade de nossas vidas e a perpassa.
Prezada Comunidade:
Aquele a quem Deus diz: Tu és o meu Filho amado (1.11) convida-nos a sermos membros de sua família. Jesus deseja ser nosso irmão. Ele nos revelou a nossa ligação com Deus, seu Pai — nosso Pai. Tornado-se o primogênito entre muitos irmãos (Rm 8.29). Que nossas famílias e igreja sejam lugares onde a semente do Evangelho é lançada com abundância, para que o Cristo seja o centro da fé, da convivência, da história, do testemunho e da ação de nossos filhos no mundo. Se você conseguir ver isso nos seus filhos, então penso que vc cumpriu a sua tarefa de pai e de mãe.
Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho, não se desviará dele, Pv 22.6. Amém.