Lucas 9.51-56
Oculi
Jesus está a caminho da Galileia para Jerusalém, onde se consumirá seu destino, segundo a vontade do Pai. Entre a Galileia e Jerusalém situa-se a Samaria. A população local é mestiça e segue uma religião sincrética, misto de judaísmo e paganismo. Os judeus os desprezam. E, coisa comum entre os homens, a resposta a esse desprezo traduz-se em ódio e amargura. Muitos judeus, ao viajarem entre a Galileia e Jerusalém, preferiam o longo desvio através da Transjordânia, para evitar as hostilidades da população samaritana.
Jesus não toma conhecimento dessas hostilidades. Como sempre, aliás. E atravessa a Samaria, ocorrendo então o episódio que acabamos de ouvir.
Jesus envia mensageiros que o antecedem para garantir a pousada, pois ele vem com os doze discípulos e provavelmente alguns outros seguidores. É um grupo grande que necessita de hospedagem em várias casas. Os mensageiros batem portas e solicitam coisas simples, rotineiras no Oriente: um teto, um espaço para se deitarem, um pouco d'água... É tudo! Então começam a perguntar: donde? Para onde? E basta que informem estar a caminho de Jerusalém a fim de comemorar a páscoa judia - já se obscurecem os semblantes. Não mantemos relações com quem vai ao encontro de nossos inimigos! E as portas fecham-se com estrondo. Isso aconteceu uma, duas, três vezes. Então os mensageiros sacodem o pó de suas sandálias e voltam para junto de Jesus, a fim de informar: recusam-nos pousada.
Se a narrativa terminasse nesse ponto, seria parco o conteúdo evangélico desse Evangelho que temos a proclamar, no culto. E apesar disso, o relato não nos seria menos instrutivo.- Seria instrutivo como exemplo clássico de preconceito - diria mesmo do preconceito tapado - que desempenha papel tão ponderável entre os homens. Pois essa gente da aldeia samaritana não se volta propriamente contra Jesus de Nazaré. Se assim fosse, seria a história de uma decisão pró ou contra o Senhor e Cristo. Mas, ao que tudo indica, nem o conhecem. Só sabem que se dirige ao lugar onde vivem seus inimigos.
Isso é tudo! E não pode ser sequer superado pelo mais elementar dos sentimentos típicos de uma comunidade aldeã: a curiosidade. Afinal de contas, não é todos os dias que uma coisa dessas ocorre numa aldeia da Palestina. Não se trata de uma família, com marido, mulher e filhos, que estivesse de passagem. O que se anuncia é todo um grupo, ligado a um mestre aparentemente conceituado. Seria presumível que a aldeia ficasse sequiosa de saber que espécie de rabi é esse e que teria a dizer. Mas não! O homem dirige-se para o lado oposto - é o suficiente!
Creio que conhecemos o fenômeno em nossa atualidade. Não faz muito, podia-se fazer experiência semelhante na Baviera. Bastava que alguém se hospedasse em uma pensão e as pessoas percebessem que se tratava de um evangélico. Na manhã seguinte aparecia o proprietário, dizendo: lamento muito, mas não posso hospedá-lo. Isso me arranja dificuldades com o revmo. pároco e toda a aldeia. Por obséquio, queira procurar outro hotel.
Tempos atrás recebemos cartas de fugitivos, da Renânia, por exemplo, que se queixam: somos os únicos evangélicos num lugarejo católico; ninguém nos vende qualquer coisa, pessoa alguma quer ajudar-nos; ajudem-nos a mudar daqui!
Nos Estados Unidos, um negro - só porque é negro - não está apenas impedido de conseguir moradia em bairro habitado por brancos. Basta que os sulistas percebam determinado matiz em seus olhos, indicador de miscigenação na família!
A reação é imediata: você não pode morar aqui, nigger. Não lhe adianta de coisa alguma! E em nosso meio? Geralmente se trata do partido político. Se o filho se decide pelo partido oposto, o pai rompe relações. Quando as opiniões políticas divergem, cessam as amizades por mais proveitosas que tenham sido. As distinções políticas implicam um abismo.
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