História de vida de Iracy Engelmann Zwetsch

Em comunhão com as viDas das mulheres

24/11/2014

Nome: Iracy Engelmann Zwetsch

Tempo de participação na IECLB: Desde o Batismo

Comunidade: Paz

Paróquia: Joinville

Sínodo: Norte Catarinense

Iracy nasceu em Porto Alegre, na rua Ipiranga, próximo ao entreposto de leite. O parto ocorreu em casa com o auxílio de uma parteira, como era comum na época. Ela foi a primeira de cinco irmãs: Iracy, Edith, Gerta, Marlene e Elsi.

Seu batismo aconteceu no dia 25 de dezembro de 1930. Como não eram membros da Comunidade de Porto Alegre/RS, fizeram o batismo na Comunidade Evangélica de Estância Velha – RS, onde residiam seus avós e familiares e onde ela também foi confirmada em 21 de novembro de 1943.

Seus padrinhos e madrinhas foram: Hulda e Albano, irmãos do pai; Albino, Irma, e o casal Edmundo e Hermínia, parentes da família da mãe. Iracy lembra que nasceu no ano da revolução encabeçada por Getúlio Vargas e que o levou ao poder nacional por 15 anos.

Na época da revolução, as casas foram revistadas para ver quem tinha algum cavalo para ceder aos revolucionários. O pai Ervino, para evitar que levassem seu cavalo, usou o bercinho da menina para disfarçar o fato de terem escondido o cavalo atrás da porta do quarto do casal. O avô precisava do animal para o seu trabalho de comerciante.

Ela conta que desde pequena participava do culto infantil na Comunidade Martim Luther, da avenida D. Pedro II, em Porto Alegre. O P. Fritz Vath era o pároco, muito respeitado entre as famílias. Iracy estudou na escola junto à igreja. A escola ficou fechada na época da 2ª Guerra (1939-1945), pois a alfabetização era feita em alemão. Mas a diretora reabriu a escola três meses depois do fechamento com o nome de Escola Particular D. Pedro II. Iracy se lembra muito bem dos nomes de seus professores e de sua professora da época: Selívio Kehl; Sigfried Dietsche; Iris Dreher. Hoje o prédio da escola é considerado patrimônio histórico da capital. Iracy e mais duas de suas irmãs estudaram nesta escola. Iam e voltavam a pé, pois moravam na rua Cristóvão Colombo. Conta que era uma boa caminhada, feita com alguns amigos, como Hans e Oto. Tinha uma amiga, mas não conseguiu lembrar o nome dela. Ela começou o estudo primário com 6 anos. Frequentou somente as quatro primeiras séries escolares, mas sempre teve excelente escrita e aperfeiçoou a leitura e interpretação de textos, pois sempre gostou de ler e escrever. Como aprendeu desde pequena a língua alemã, com o tempo e esforço pessoal passou a ler em alemão e se comunicar bem na linguagem oral. Este preparo fez com que, muitas vezes, assumisse mais tarde o cargo de secretária em diretorias da OASE e no trabalho da diaconia nas comunidades de que participou.

Na juventude participou, em Santa Rita, distrito de Canoas – hoje Nova Santa Rita – da Igreja Anglicana. É que na vila só havia Igreja Católica e Episcopal Anglicana, enquanto a Igreja Protestante vinculada ao Sínodo Riograndense se reunia no distrito de Berto Sírio e era atendida esporadicamente por pastores vindos de Porto Alegre. Quando não vinha pastor do Sínodo, ela e as irmãs participavam da escola dominical e do grupo de jovens da Igreja Anglicana, atendida pelo Reverendo Nadal, que vinha de Porto Alegre e trazia a mensagem do evangelho.

Anotamos esta integração para demonstrar que, desde jovem, Iracy já exercitava as relações ecumênicas entre igrejas; inclusive tinha uma amiga muito chegada, que foi sua madrinha de casamento, de nome Eduarda, a quem chamavam carinhosamente Maninha. Eduarda casou-se com um rapaz evangélico luterano em Berto Sírio. Iracy conta ainda que sua irmã mais nova, Elsi, foi batizada na Igreja Episcopal e teve como madrinha Dona Filinha Fraga, esposa de um empresário local.

Mais tarde, seu pai Ervino decidiu voltar com a família para Porto Alegre, onde organizou um comércio de secos e molhados. Iracy e sua irmã Edith auxiliavam como vendedoras.

Iracy conheceu seu futuro marido nestes tempos e o aguardava passar “pendurado” no bonde quando voltava do emprego. Casou-se com 21 anos, em 17 de novembro de 1951, com Ernesto Ervino Zwetsch, nascido em Campo Bom. Ele veio para a capital aos 15 anos, em busca de emprego e estudo, e morou nos primeiros tempos com o irmão mais velho até tornar-se independente. Lá acabou encontrando o amor de sua vida. O casamento ocorreu em Canoas/RS, para onde sua família havia se transferido em função dos negócios do pai. A Bênção Matrimonial foi celebrada numa casa em que a comunidade se reunia para cultos e ofícios e que, mais tarde, tornou-se casa pastoral da Comunidade Evangélica de Canoas. O pastor morava junto à Comunidade de Esteio e de lá atendia a Comunidade de Canoas. O P. Wilhelm Meirose foi o celebrante das bodas. A lua de mel – se é que se pode falar assim – já foi na casinha que ganharam do pai de Iracy. Ervino desenhou a casa e seu cunhado a construiu: tinha um porão com pedras, e na parte principal havia quatro peças: quarto do casal, onde havia uma banheira em que colocavam água quente para o banho, cozinha e sala e, nos fundos do terreno, a latrina. Tiveram cinco filhos: três meninos e duas meninas (Roberto Ervino, Eduardo Ernesto, Liane, Gilberto Raul e Irene).

Iracy sempre levava os filhos e as filhas o culto infantil na Comunidade de Canoas. Aos 25 anos, ela já iniciou sua participação no grupo de OASE da Comunidade de Canoas, enquanto suas irmãs cuidavam das crianças. Desde então, participa da OASE em todas as comunidades por onde passou com a família. Hoje, com 84 anos, ainda é membro ativa na OASE Tabita da Igreja da Paz, em Joinville/SC.

Em 1966, a família mudou-se para Caxias do Sul/RS, onde o marido passou a trabalhar numa indústria local, buscando melhoria de vida. Nessa cidade, continuou ativa na OASE. As reuniões eram quinzenais e aconteciam nas casas das participantes, com a orientação da esposa do Pastor Robert Maland, Srª Anna Maland, missionários da Igreja Evangélica Luterana dos EUA e que passaram a atuar, junto com outros colegas, em parceria com a IECLB. Na época, a comunidade de Caxias do Sul ainda não tinha templo, utilizando as dependências da Igreja Metodista para a realização dos cultos aos domingos. Esta fraternidade ajudou a comunidade a vivenciar uma abertura ecumênica desde sua fundação. Nesta comunidade, Iracy também colaborou como professora do culto infantil, que também acontecia nas casas das famílias, e depois no porão da casa pastoral. Em Caxias do Sul, Iracy e sua família participaram de muitos mutirões para a construção da casa paroquial e do templo, inaugurado na década de 1970.

Em 1969, a família se mudou para Curitiba/PR, devido à mudança de emprego do marido. A família viajou com uma recomendação para estabelecer contato com o Pastor Richard Wangen, então pastor de estudantes naquela cidade. Ela se vinculou e participou ativamente da Comunidade do Redentor localizada no centro da capital paranaense. Aí já encontraram uma comunidade estruturada, onde atuavam dois pastores: P. Johannes Blümel e P. Heinz Ehlert. Iracy participava da OASE e também auxiliava no culto infantil, onde incentivou a filha mais velha a também colaborar.

A família morou quatro anos nesta cidade, e então o esposo recebeu nova proposta de emprego que levou a família a mudar para Joinville/SC. Nesse ínterim, o filho mais velho, Roberto, já havia se transferido para São Leopoldo, onde foi estudar teologia com vistas a tornar-se pastor. Eduardo resolveu continuar estudando em escola técnica e permaneceu em Curitiba, morando numa casa de família da comunidade, com a intermediação do P. Blümel.

Em Joinville, a família inscreveu-se na Paróquia da Paz, no centro da cidade, pois moravam próximo dali. Nesta paróquia, a família atuou ativamente em cultos, festas, culto infantil, Juventude Evangélica e mesmo em cargos da diretoria. Iracy e Ernesto integraram-se no Coral da Paz e no grupo doméstico de estudo bíblico, tendo participado de um programa que foi muito importante na época, o Curso “Redescoberta do Evangelho”, coordenado pelo P. Ulrico Sperb. Iracy continuou contribuindo na OASE, dedicando-se de modo especial ao trabalho da Assistência Social. Nesse trabalho, conviveu por anos com famílias pobres da periferia de Joinville e descobriu o que significava para aquelas mulheres e crianças o sofrimento causado pela pobreza e o descaso das administrações públicas. Esta experiência certamente a ajudou a desenvolver um senso crítico quanto às injustiças sociais que ainda hoje existem na sociedade brasileira. Iracy também auxiliou no início e na formação do grupo de OASE Margarida na Comunidade Cristo Libertador, no bairro Boa Vista, de Joinville. Foram, mais ou menos, 20 anos de participação ininterrupta, nesta cidade.

Quando seu esposo se aposentou em 1990, voltaram a morar em Curitiba, por alguns anos, participando ativamente da Comunidade do Pilarzinho, onde ela se integrou ao grupo local da OASE e onde participaram das atividades regulares da comunidade luterana.

Como Ernesto e Iracy foram sempre “meio nômades”, decidiram retornar para o Rio Grande do Sul, especificamente para Osório, onde haviam onstruído uma casa de veraneio, que também havia sido pensada como a casa da aposentadoria. Também nesta cidade experimentaram intensa vivência comunitária e ecumênica, pois nela o coral era formado em conjunto com a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), enquanto os cultos eram realizados no templo da IELB. O pastor de Tramandaí era o responsável pelo acompanhamento à comunidade de Osório, celebrava os cultos e dirigia outras atividades comunitárias. Iracy participava da OASE e o casal participava do grupo de casais. Moraram poucos anos em Osório, quando Ernesto sofreu um AVC. Decidiram, então, retornar a Joinville, pois os dois necessitavam do apoio dos filhos. O casal voltou para Joinville, onde residem Liane, a filha mais velha, com a família, e Gilberto, o filho mais novo, com sua família. Desde então, Iracy recebeu o apoio e o carinho desses familiares, uma vez que Eduardo e família, Roberto e família e Irene e família vivem noutras cidades – a filha mais nova inclusive na Suíça, para onde Iracy viajou em duas oportunidades.

Ao retornarem para Joinville, em 1996, continuaram vinculados à antiga comunidade – Paróquia da Paz –, onde ainda tinham muitos conhecidos e puderam experimentar uma convivência fraterna. Iracy voltou a participar do grupo de OASE Tabita e do grupo de oração que já conhecia. Ali estavam em casa, novamente. Iracy teve a experiência de um câncer de mama, que foi retirado, e, com a graça de Deus, não precisou fazer quimioterapia, tomando somente a medicação oral. Depois houve a suspeita de câncer de útero, que também foi extraído, e de novo somente precisou continuar com a medicação oral. A doença foi enfrentada com coragem e confiança em Deus e o apoio da família, que sempre esteve ao seu lado.

Iracy perdeu seu esposo, vítima de um câncer de intestino, no início do ano de 2006. Foi uma experiência que a marcou profundamente. A viuvez lhe trouxe novos desafios, que ela encarou com muita fé. Como vivia num apartamento no centro da cidade e tinha participação comunitária próxima, viveu sozinha por alguns anos. Então, sua neta Vanessa veio morar com ela, durante uns dois anos. Em seguida, a filha Liane e o genro foram lhe fazer companhia por mais de um ano, até que ela tomou a decisão de se transferir para o Lar Bethesda em Pirabeiraba, distrito de Joinville, pois, por causa da idade, julgou mais sensato não ficar sozinha. A decisão de se mudar para o Lar foi tomada depois de muita reflexão com filhas e filhos e sem nenhuma pressa. O Lar Bethesda é uma instituição ligada à IECLB, com excelente infraestrutura, contando com uma diácona, um pastor aposentado que auxilia nas meditações diárias, uma profissional de educação física, equipe de enfermagem, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, técnicos e técnicas de enfermagem, nutricionista e assistente social, de modo que proporciona um cuidado integral às pessoas que lá vivem. Uma boa área verde, um quarto com banheiro privativo e amplos espaços coletivos, e uma capela central completam aquele espaço. Lá Iracy pode acompanhar as meditações diárias e outras atividades interativas com profissionais competentes que ajudam as pessoas idosas a movimentar o corpo e ativar a memória.

Mesmo morando na periferia de Joinville, Iracy continua participando de seu grupo de OASE Tabita na Paróquia da Paz, para onde vai com uma vizinha do lar, sua amiga, que dirige o próprio carro. No Lar, além de participar das atividades coletivas, faz fisioterapia, participa de um projeto com um fisioterapeuta doutorando e continua cultivando seu hábito de ler regularmente e ouvir música. Gosta de estar informada e, por isto, assiste aos telejornais locais e nacionais.

Iracy teve a alegria de receber 11 netos, sendo um já falecido, Hoje, a maioria já está casada, de tal maneira que já lhe deram seis bisnetas e um bisneto. Três das bisnetas residem em Joinville, e os demais no Rio Grande do Sul e em Brasília. Estas crianças são, nesta altura, a sua “alegria de viver”, como ela mesma diz, nos seus 84 anos de vida.

O que se pode concluir deste apanhado da vida de uma senhora que enfrentou muitas mudanças ao longo da vida, muitos desafios novos que lhe exigiram deixar para trás a família de origem, laços de amizade, e a chamaram para criar novas amizades, outros engajamentos e relacionamentos?

Como ela mesma testemunha, duas constantes marcaram sua existência: a) a participação comunitária nas diferentes paróquias a que a família se vinculou: b) o desenvolvimento de uma fé alicerçada no evangelho da graça, do amor e da compaixão de Deus, que foi e continua a ser o alicerce de sua vida até hoje. Iracy é uma pessoa de oração cotidiana, com espírito otimista e alegre. Por isto mesmo, fez muitas amizades durante toda a vida, muitas das quais nem a distância conseguiu diminuir. É esta confluência de fé, testemunho e alegria que encanta suas amigas, suas filhas e filhos, e sobressai em sua narrativa. Eis aí alguém que deixou marcas por onde passou e continua a desafiar as novas gerações. Membro contribuinte da OASE há 58 anos! Perguntada se tinha um lema de vida, foi direta: “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia n’Ele, e o mais Ele fará!” (Salmo 37.5).

Liane Zwetsch Klamt
Catequista da IECLB, graduação em História, educadora, pós-graduada em Educação Contação de Histórias.


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