Estou batizado. E agora?

Subsídios para a tomada de posse da graça de Deus

14/01/2019

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Atos 8. 14 Ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João; 15 os quais, descendo para lá, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo; 16 porquanto não havia ainda descido sobre nenhum deles, mas somente haviam sido batizados em o nome do Senhor Jesus. 17 Então, lhes impunham as mãos, e recebiam estes o Espírito Santo.

Estou batizado. E agora?

Há muitos anos, na rua onde nasci, diariamente via passar as mesmas pessoas que trabalhavam no centro da cidade. Entre elas aquele senhor ascensorista de um dos poucos prédios com elevador na época. Ele mexia com todas as pessoas que passavam, especialmente com as mulheres (incomodava, mas não era reconhecido como assédio). Este homem tinha um filho adolescente naquele estilo “tal pai, tal filho”. Certo dia ouvi o comentário que pai, filho e toda família havia sido batizada em uma igreja evangélica pentecostal. Numa tarde, quando o filho descia a “minha rua”, o abordei, curioso sobre a veracidade da notícia. Ele confirmou tudo. Ficamos conversando em certo tempo e o rapaz confidenciou: “Meu pai me obrigou a participar de um curso lá na igreja. Daí chegou o dia do meu batismo nas águas. O pastor perguntou se era isso que eu queria. Virei para meu pai e seu olhar me obrigou a dizer que 'sim'. O pastor explicou mais algumas coisas e fui para o batismo. Coloquei aqueles vestes especiais e fui inclinado para traz, mergulhando nas águas. Quando me trouxeram de volta, o pastor arregalou os olhos inquisidores. Foi daí que lembrei que toda pessoa realmente sincera ao receber o batismo deve falar em línguas. Como já tinha visto isto acontecer outras vezes, balbuciei algumas palavras que ninguém conhecia. O pastor disse ‘Amém’, e todos saímos felizes”.

Salvo alguma falsa memória, foi esta a história que ouvi daquele rapaz na minha adolescência. Pai e filho continuavam subindo e descendo a rua como sempre o fizeram, usando as mesmas chacotas como sempre o fizeram.

O que acontece no batismo.

Prezada comunidade!
Neste 1º Domingo após Epifania somos levados a recordar o dia do batismo de Jesus. Os textos bíblicos lidos na parte inicial da Liturgia da Palavra (Is 43.1-7 e Lc 3.15-17, 21-22) nos remetem a este tema. O texto lema (Mc 1.11) já nos avisava no início deste Culto: quando Jesus foi batizado por João Batista os céus se abriram e de lá se ouviu a voz que disse ser este o Filho amado de Deus; que neste filho Deus tem sua alegria.

É bastante óbvio perceber nestes textos que o batismo cristão leva à constatação do que é NOVO.

De forma especial neste escrito criterioso de Lucas, o livro dos Atos dos Apóstolos, percebemos com ricos detalhes que o assunto “batismo” é encarado com muita sobriedade e profundidade. Não lembro de muitas famílias que estejam levando esse assunto a sério, desta maneira, entre nós, quando se trata do batismo de filhas e filhos. Martin Luther no lembra que “São Lucas, neste livro, ensina a toda a cristandade, até os confins do mundo, o verdadeiro ponto principal da doutrina cristã, ou seja, como todos temos que nos tornar justos exclusivamente pela fé em Jesus Cristo, sem qualquer contribuição da lei ou das nossas obras”. ML continua ressaltando não apenas a fé que une judeus e gentios, mas também fato de apresentarem ao mundo o “ficar justos, sem quaisquer méritos, nem obras” através do exemplo na história (ML OS 8,128).

Pelo episódio descrito por Lucas, portanto, percebemos que o batismo cristão não é um apêndice na vida da pessoa que o recebe. O batismo serve para a vida abençoada ou para a morte espiritual da pessoa que o recebe.

O jovem Filipe (At 6.5) – poderia ser aquele mesmo rapaz encontrado pelo recém-batizado Jesus no caminho para a Galileia, a quem o Mestre convida com seu “segue-me”, e que faz com que imediatamente fale a Natanael sobre seu encontro com o Rei de Israel (João 1.43-51)? – não perde tempo a vai falar de Jesus justamente ao povo de um pequeno enclave de judeus marginalizados, os samaritanos. Escolheu um começo difícil, mas o entusiasmo do que vira em Jesus faz Filipe anunciar a redenção das pessoas abandonadas e rejeitadas “pelos justos”. Envolve estas pessoas no amor de Cristo. As envolve com o batismo. Exatamente isto: o batismo cristão envolve as pessoas no amor de Cristo, amor transformador e regenerador.

O texto, porém, quer dizer ainda mais. Por isso deixei me desafiar a pregar sobre este assunto neste dia, nesta Igreja, com seu contexto vivencial. É óbvio ululante, ou seja, é incontestável que a alusão a um segundo estágio do batismo, o batismo no Espírito Santo, têm confundido muitas mentes e justificado a doutrina de igrejas pentecostais (as neo-pentecostais aparentemente não compartilham esta preocupação, querem apenas o dinheiro das pessoas). Assim também é tão palpável que clama aos céus o fato de que nós, enquanto luteranos tradicionais, não damos a devida atenção às consequências do batismo. E isso é terrivelmente triste e preocupante. Não faltam exemplos de pessoas entre nós que desdenham seu batismo.

O que deve entender a pessoa batizada.

Estudiosos deste texto de Atos não são unânimes em suas conclusões sobre o acontecido nalguma cidade da região da Samaria aqui descrito. Fato é que Filipe anuncia a graça de Jesus e batiza pessoas daquele lugar. Os judeus odiavam com todas as suas forças este povo. Os hostilizavam sempre que podiam. Os consideravam como um povo herético e moralmente corrompido. A exemplo do fato relatado em João 4, quando Jesus conversa com a mulher samaritana no poço, parece que este povo estava sedendo por libertação. Isso justifica a forma massiva e ardorosa com que acolheram o anúncio do Evangelho.

O primeiro efeito do anúncio do Evangelho é o desviar a atenção do que é mau, do que é enganador. Os samaritanos não mais deram atenção ao milagroso/mágico Simão que, aliás, parece ter sido o primeiro a ver na obra pentecostal a oportunidade de fazer dinheiro (At 8.20).

O fato de um povo rejeitado e hostilizado voltar a ter esperança, e isso a partir da obra graciosa de Jesus Cristo, faz com que a notícia corra e chegue aos ouvidos da Igreja de Cristo em Jerusalém. Não sabemos ao certo o por quê, mas os delegados apostólicos, Pedro e João, imediatamente vão constatar este milagre da conversão. Percebem, no entanto, que falta o batismo do Espírito Santo.

Não fica dúvida de que estes recém-convertidos estavam vivendo o primeiro amor de suas primeiras pré-imagens de Deus. Em sua nova vida com Cristo, estes novos cristãos desenvolviam seus primeiros raciocínios sobre a fé, envolvendo seus sentimentos – seus movimentos, sua construção prática de esquemas de pertencimento e de permanência naquela sociedade ainda opressora. Projetavam a nova vida sobre aquilo que estava dando nova significância sobre “o outro decisivo”. Como infantes na fé – e a maioria esmagadora dos membros da Igreja assumem este papel quando trazem seus recém-nascidos para o batismo – o “outro descisivo” não passa de uma imagem no espelho, que logo é esquecida (1Co 13.12).

Sobre o que se sucede, proponho duas abordagens distintas que se tornam complementares na vivência comunitária.

O batismo dá coração à pessoa batizada.

Se pudermos enquadrar este texto de Atos no conceito de estágios da fé, teremos um primeiro estado ou uma primeira etapa de compreensão da nova vida selada pelo batismo. Há um processo de santificação em curso. Os primeiros passos para uma compreensão de pertencimento àquele em cujo nome somos batizados.

A extraordinária declaração feita pelos apóstolos, que constataram o zelo evangelístico de Filipe, diz: este povo foi batizado em nome do Senhor Jesus. O que faltava? À luz de Atos 2.38, a ação de Filipe não teria sido efetiva?

Podemos concluir da ação dos apóstolos que o batismo de uma pessoa não se limita ao momento em que a água é aspergida – ou a pessoa é mergulhada – ao contrário do que seria de se esperar neste momento único e “irrepetível”. Nesta única vez é mencionada a imposição de mãos como mediação para inspirar a pessoa batizada com o Espírito Santo após ter recebido a água. (No relato do capítulo 19 de Atos a situação é diferente, onde crentes de Éfeso não tinham ouvido a respeito do Espírito Santo e nem sequer conheciam o batismo em nome de Jesus Cristo.)

Provavelmente a resposta dos cristãos de Samaria ao batismo em nome de Jesus Cristo era, ainda, defeituosa. A resposta à fé em Cristo não estava sinalizando para uma integralidade de oportunidades com a graça. Poderiam estar se perguntando se estavam realmente integrados na comunidade cristã. Não é que o batismo destas pessoas precisasse ser remediado. Precisavam, ao meu ver e entender, tão somente se sentir abraçadas pelo “outro decisivo” e avançar em uma vida de santificação. Bem por isso não lhes precisa ser pregado nada além do que Filipe já havia anunciado; precisavam apenas orar, ter comunhão com Deus. Isso é ser batizado no Espírito Santo. As consequências desta fé são realizações como fruto do Espírito.

O batismo do Espírito Santo dá asas à pessoa.

Uma vez acolhidas – com a visita apostólica da liderança da Igreja de Cristo – podemos entender que estas pessoas cristãs batizadas precisam dar vazão à nova realidade de vida que borbulha em seus corações.

Teria sido retido o reconhecimento da ação do Espírito Santo – seu batismo – para que os samaritanos percebessem com mais intensidade a ação sobrenatural de Deus? Em todos os casos, parece que havia a necessidade de uma clara demonstração de que este povo, agora crendo no Evangelho, não mais precisaria se sentir inferiorizado diante do restante daquela nação.

Pessoas santificadas passam a ter asas que as levam mais longe com maior rapidez e mais auto-confiança. Passam a falar e agir intensamente como resposta de compreender o batismo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Esta é a segunda possibilidade de compreensão do dispositivo “batismo no Espírito Santo”. O espírito de Deus entra em serviço na Igreja através dos dons espirituais derramado sobre as pessoas que creem. Isso se complementa com a primeira possibilidade de interpretação porque o coração bate forte para influenciar a sociedade com os valores do reino de Deus.

As pessoas batizadas em nome do Deus Tri-uno, e que não estão fazendo uso de suas asas para propagar o Evangelho, precisam se examinar e perguntar no que, de fato, estão crendo. Ou deveriam perguntar se suas ações de fé não poderiam estar fazendo diferença na sociedade em que vivemos.

Agindo como pessoas batizadas.

A Filipe tinha sido ordenado que apenas servisse as mesas (At 7). Foi além e, com sua pregação, os samaritanos foram convertidos. É um exemplo claro de que todas as pessoas cristãs têm o direito de ministrar a Palavra, fazendo uso das portas abertas e as ocasiões oportunas para alcançar um povo ignorante e privado da Palavra (ML OS 7,108). À medida que a Palavra do Evangelho era anunciada, mais e melhor a Igreja se estabelecia.

O Espírito Santo, como elo de ligação, fonte de ensino e consolação, faz de nós todos sacerdotes da Palavra. Entre estes, alguns também servem com dons generosamente concedidos à Igreja, conforme a necessidade de cada grupo. Se tiver a possibilidade de interferir no curso da ação desta Igreja, PMLRio, vou trabalhar incansavelmente e pedir insistentemente que o Espírito Santo levante entre nós pessoas comprometidas com a integralidade do Evangelho com dons espirituais como PROFECIA, DISCERNIMENTO e ENSINO.

PROFECIA para denunciar ações feitas falsamente em nome do Evangelho, não permitindo que pessoas que vivem à margem de tudo sejam resgatadas para uma dignidade de vida; DISCERNIMENTO para desmascarar ensinos que pretendem confundir o Evangelho com doutrinas estranhas ao que preconiza a realidade do Reino de Deus; ENSINO para que pessoas hábeis ajudem a propagar a Verdade com criatividade, com aquele jeito especial de chegar a cada pessoa em cada uma de suas realidades.

Prezada comunidade,

que Deus nos ajude a revolucionar a história da forma que os samaritanos o fizeram ao crer e serem batizados, com água e com o Espírito Santo. Que Deus, Pai, Filho e Espírito Santo nos mostre aquele outro caminho que antes não conhecíamos: o caminho da paz e da tranquilidade pela ação espiritual de Deus.

Amém!
 


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 14 / Versículo Final: 17
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 50790
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