Pois é, Deus muda de idéia. Será que conseguimos compreender isto? O onisciente Senhor, em sua infinita sabedoria, mudando de idéia? Diz o texto acima que ele já havia resolvido descarregar toda a sua ira sobre o seu povo. A decisão já estava tomada: acabar com essa gente. E ele estava cheio de razão. Quanto esforço e empenho para tirar os israelitas da escravidão no Egito! Quanto amor e quanta paciência para manter esse povo a caminho da liberdade, a caminho da terra prometida! E, agora, enquanto Moisés estava no cume do monte Sinai para receber das mãos divinas as tábuas da lei, a ingratidão dos israelitas reinava lá embaixo, ao pé da montanha: Moisés está demorando demais lá em cima. Não sabemos o que aconteceu com ele. Vamos fazer para nós um bezerro de ouro, vamos fabricar deuses que possam ser carregados na nossa frente até chegarmos à terra prometida. E aí o Senhor não agüentou: “Vou descarregar a minha ira sobre esta gente e vou acabar com eles”.
Se não fosse Moisés, o que teria acontecido? Esse é o Moisés! Ele intercedeu junto a Deus: Ó Senhor, não fica assim tão raivoso! Você tirou esse povo com tanto poder e com tanta força lá do Egito! Por que agora dar corda para os opressores egípcios poderem dizer: Viu? Esse Deus de Israel prometeu mundos e fundos para os nossos escravos, levou-os lá para o meio das montanhas do deserto, e lá deu um fim neles. Acalma aí, Senhor! Não fica irado desse jeito! Muda de idéia!
E Deus mudou de idéia.
Sim, Deus muda de idéia. Este é o nosso Deus. Cremos num Deus que muda de idéia.
Para nós, seres humanos, é tão difícil mudar de idéia, não é mesmo? A gente coloca um pensamento ruim na cabeça e não consegue mais tirar isso das idéias. A ira, a raiva, o ódio, o desejo de vingança, a incapacidade para perdoar, o preconceito recheado de pensamentos violentos são pragas que levam muita gente à ruína. E estas pragas precisam ser combatidas com insistência e com muita freqüência, todos os dias da nossa vida.
Mas o texto diz que Deus mudou de idéia lá no deserto. Aliás, Deus não se cansa de mudar de idéia.
Conseguimos entender isso? Ele estava mudando de idéia quando enviou o seu próprio Filho a este mundo. Sabemos disso muito bem: sobre todos nós pairava o castigo de Deus. O juízo divino pesava sobre nós. Nosso destino era a condenação eterna. Mas o Senhor resolveu, em sua infinita misericórdia, nos tratar com amor e com perdão. Ele se reconciliou conosco em Jesus Cristo. Deus mudou de idéia ao decidir que não seríamos justificados por nossas próprias obras, mas por obra sua, sem mérito algum da nossa parte. Em Jesus Cristo, Deus mudou de idéia: em lugar da lei como condição para a salvação, a graça sem limites.
Pensando bem, em todos os dias Deus está mudando de idéia. Hoje estamos celebrando a festa da colheita. Durante mais um ano Deus mudou de idéia ao nos dar de graça o que não merecemos. Será que merecemos estar aqui saudáveis e felizes no dia de hoje? Será que merecemos o pão de cada dia que chegou à nossa mesa todos os dias? Será que merecemos respirar o ar, tomar a água e nos fartar com os tantos outros bens? Será que merecemos ganhar o que ganhamos das mãos de Deus durante mais um ano? Será que merecemos receber o nome de “raça eleita”, “sacerdócio real”, “nação santa”, “povo de propriedade exclusiva de Deus” (1 Pe 2.9)? Não, nada disso merecemos. Se dependesse de nós, estaríamos todos sob o juízo eterno de Deus. Sobre nós estaria a ira de Deus.
Mas Deus mudou de idéia. Ele nos deu o necessário para a vida, e muito mais do que isso. Os nomes “povo escolhido”, “povo santo”, “ovelhas do meu pasto”, “herdeiros do meu reino” continuaram valendo para nós, apesar dos nossos fracassos, apesar da nossa ingratidão, apesar da nossa idolatria. Em vez de ira e de raiva, Deus nos trata com amor e misericórdia.
E nós? Será que conseguimos mudar de idéia também? Ou isto é coisa só de Deus? Os textos de hoje (1 Tm 1.12-17 e Lc 15.1-10) falam de arrependimento. A epístola e o evangelho nos chamam ao arrependimento. Paulo dá o seu testemunho: no passado fui perseguidor da Igreja. Mas mudei de idéia pela graça de Deus. Tornei-me um servo do evangelho. Com a as histórias da ovelha perdida e da moeda perdida, o evangelho de hoje nos fala da alegria que existe no céu quando um pecador muda de idéia.
Hoje vejo aqui muita gente que mudou de idéia. Participar da festa da colheita é uma volta para Deus. É arrependimento. É conversão. É o reconhecimento de que Deus é Deus. Ofertar para Deus é a rejeição dos ídolos fabricados por mãos humanas. É a negação do bezerro de ouro. Ofertar e partilhar algo daquilo que Deus nos deu, dedicar tempo e serviço à obra de Deus é negar e rejeitar a idolatria. Que Deus nos conceda a sabedoria de, em gratidão ao que ele fez e faz por nós, sempre de novo mudar de idéia e voltar aos seus braços como o filho pródigo.
Mas tem gente que ainda precisa mudar de idéia. Tem gente que ainda não reconhece Deus como doador da vida e de todas as boas dádivas. Tem gente que ainda não entendeu que Deus mudou de idéia por amor a nós e que nós também podemos mudar de idéia em gratidão a ele. Tem gente que ainda permanece no caminho da idolatria a pleno vapor. Tem gente que ainda permanece presa à idéia de que pode se adonar de todos os bens da terra. Quem não sabe ofertar e partilhar está fabricando os seus ídolos com as próprias mãos e os colocando em lugar do único e verdadeiro Deus que nos deu a vida e que de nós cuida com amor a cada novo dia que nasce. Quem não consegue enxergar a terra como dádiva de Deus, quem não consegue entender o fruto da terra e do trabalho como bênçãos divinas que vêm de graça sobre nós, está, com isto, derretendo os seus brincos, colares e anéis para fabricar seu próprio bezerro de ouro.
Como aquele bom pastor que deixa as noventa e nove ovelhas e vai buscar e carregar uma que havia se perdido, e, como aquela mulher que varreu a casa toda à procura da moedinha perdida, nós queremos, no dia de hoje, com nossas ofertas de gratidão, com o nosso serviço à comunidade, com a nossa participação na missão de Deus, com a nossa participação alegre na festa da colheita, ser um convite aberto para quem está sendo fascinado pelo bezerro de ouro fabricado por mãos humanas. Nossa festa é sempre um convite: juntos, mudemos de idéia!