Declaração da IECLB nos 180 anos de suas primeiras comunidades

Declaração de Concílio

16/10/2004

180 Anos

Um grupo de imigrantes alemães de fé evangélica chegou em Nova Friburgo / RJ a 3 de maio de 1824 e outro grupo em São Leopoldo / RS a 25 de julho de 1824. Estes constituíram as primeiras comunidades que hoje integram a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB. Outras levas se seguiram. Os imigrantes evangélicos, de várias nacionalidades, eram em sua maioria luteranos, mas também havia reformados (calvinistas) e unidos. Surgiram regionalmente comunidades e, posteriormente, sínodos com peculiaridades próprias. Só ao longo de muitos anos, em verdade após mais de século, as comunidades evangélicas desenvolveram e definiram sua identidade teológica e eclesial como de confissão luterana. Também constituíram uma igreja nacional, a IECLB. Isso se deu em 1949, com a criação da Federação Sinodal, designação que posteriormente deu lugar ao nome atual da Igreja.

Repassando em retrospectiva nossa história de 180 anos, desde aquelas primeiras comunidades, registramos, reconhecemos e enfatizamos:

Nossa gratidão

Em meio a muitas adversidades e promessas não cumpridas por parte das autoridades imperiais, aqueles imigrantes, homens e mulheres com suas famílias e, posteriormente, seus descendentes constituíram comunidades que se caracterizaram pela ajuda mútua. Em sua maioria colonos, desenvolveram, em meio às dificuldades, uma economia próspera, baseada na pequena agricultura, voltada para a produção de alimentos básicos para a população. Artesãos e comerciantes, pequenos empresários e industriários, deram primeiramente às comunidades rurais e, mais tarde, a cidades, em particular do Sul do país e do Espírito Santo, um matiz peculiar, em que valores culturais, ética do trabalho, ênfase na educação e, não por último, valorização da Igreja ocuparam um lugar destacado. Diante da freqüente omissão do Estado nas mais diferentes áreas, como, por exemplo, na educação e na saúde, tomaram suas próprias iniciativas e as fizeram florescer. Nesse processo todo, contribuíram decisivamente para um desenvolvimento mais equilibrado da economia de nosso país.

Somos gratos em especial pela herança eclesial e teológica. Constituíram-se comunidades de fé. Igreja e Escola andaram de mãos dadas. Aqueles imigrantes e seus descendentes perseveraram na fé evangélica, e a transmitiram a seus filhos e filhas. Quando não havia pastores nem professores formados, escolheram dentre seus membros quem melhor pudesse assumir as respectivas funções. Mantiveram e desenvolveram um espírito sóbrio no trato das questões religiosas, respeitando crenças diferentes das suas. Vivenciaram de maneira peculiar a maravilhosa dádiva da liberdade cristã. A Bíblia, o Catecismo - preponderantemente o Catecismo Menor de Lutero - o canto e a oração alimentaram sua fé.

Valorizaram sobremaneira a família e o associativismo. Mesmo preservando em boa medida suas tradições culturais, por exemplo o estilo de suas casas, a culinária, a indumentária, suas festas e, não por último, seu idioma, entenderam-se muito cedo como cidadãos deste país que os havia acolhido, como a outros contingentes de imigrantes, e sempre entenderam que estavam contribuindo para o bem-estar e o progresso da nova pátria. No período das duas grandes guerras houve uma crise de identidade. Vítimas de nacionalismo exacerbado, foram vistos com reservas e sofreram uma série de discriminações. Contudo, superaram a experiência dolorosa, fortalecendo-se em sua convicção e postura de cidadãos, integrantes do povo brasileiro e comprometidos com este país.

Como Igreja somos gratos também pelas relações de intercâmbio e ajuda que, com o passar do tempo, foram se estabelecendo com igrejas e sociedades missionárias da Alemanha, país de origem da maioria dos imigrantes evangélicos, e, mais recentemente, de outros países. Essas relações e essa ajuda contribuíram para o desenvolvimento de uma igreja organizada e aberta à cooperação ecumênica e ao intercâmbio entre igrejas de distintos países. A IECLB se desenvolve progressivamente como uma entidade multicultural e multi-étnica, engajada na promoção da cidadania e do espírito comunitário, embora num processo lento, tanto por nossa carga cultural quanto pelo fato de conscientemente renunciarmos a práticas proselitistas.

Nossa culpa

Embora os humildes imigrantes de então não pudessem ter consciência dessa realidade, o fato é que com sua chegada ao Brasil vieram a ocupar, em diversos sentidos, um lugar social que poderia e deveria ter sido próprio das comunidades indígenas, detentoras originárias destas terras, e das comunidades negras do Brasil Colonial e Imperial escravocrata. É emblemático que as primeiras famílias de imigrantes alemães, chegadas a São Leopoldo, tenham sido alojadas numa antiga feitoria de escravos.

Ainda que involuntariamente, as comunidades, que se desenvolveram, são, portanto, parte da história de injustiça e desequilíbrio social de nosso país. E, apesar das discriminações que elas próprias sofreram, as comunidades de imigrantes, comparadas com as indígenas e negras, obtiveram um lugar privilegiado na sociedade brasileira. Projetos de colonização patrocinados pelo Estado concederam ou venderam terras habitadas por indígenas a agricultores, constituindo-se este fato na causa primeira de situações agudas de tensão e conflito ainda hoje existentes entre indígenas e agricultores, entre eles também membros da IECLB.

Devemos reconhecer igualmente que em muitos lugares surgiu e prosperou entre membros da Igreja um sentimento de superioridade cultural sobre outras etnias, em particular a indígena e a afro. Somos ainda hoje vítimas e artífices de preconceitos contra quem é diferente. Isso se faz sentir também nas novas áreas para as quais muitos de nossos membros têm sido levados pelo fluxo de migração interna. No ano em que a comunidade judaica comemora seus 100 anos de imigração ao estado do Rio Grande do Sul, reconhecemos com profundo pesar que no período em que imperou na Alemanha o nacionalsocialismo não fomos totalmente imunes a influências da ideologia da superioridade racial ariana.

Na vida de nossas comunidades, muitas vezes um tradicionalismo superficial se sobrepôs à necessidade de aprofundamento nas questões de fé. A Bíblia ficou relegada, em alto grau, apenas ao seu uso no culto e no ensino confirmatório, deixando de ser a fonte diária para a devoção em família. A tarefa espiritual e de evangelização tem sido preponderantemente delegada aos pastores e às pastoras, deixando de ser responsabilidade da própria comunidade e de todos os fiéis como integrantes do sacerdócio geral de todas as pessoas que crêem.

Em tudo isso, carecemos do perdão de Deus e daquelas pessoas a quem temos ofendido.

Nosso compromisso

Diante dessa realidade queremos reafirmar os valores pelos quais somos gratos e comprometer-nos a uma prática de superação daquelas questões pelas quais confessamos nossa culpa. Com o 18.º Concílio da Igreja, em Pelotas / RS (1992), reafirmamos que “Deus não é racista” e que, portanto, devemos superar em nós e entre nós todos os preconceitos raciais. Nos 70 anos da Confissão de Barmen, que em 2004 celebramos, documento com o qual cristãos confessantes da Alemanha resistiram à ingerência do Estado nazista na vida da Igreja, declaramos nossa identificação com os conceitos teológicos nela emitidos. Assim, confessando a soberania de Deus, revelada a nós em Jesus Cristo, não reconhecemos sobre nós nenhuma outra autoridade do que a desse Deus de amor. Portanto, não podemos fazer nenhuma distinção de valor entre as pessoas, criadas todas elas à imagem de Deus, e pelas quais Jesus Cristo se doou. Afirmamos a necessidade de respeitar integralmente a diversidade cultural, étnica e religiosa. Comprometemo-nos, particularmente, em:

- empenhar-nos em favor da paz, da justiça e da integridade de toda a criação;

- exercer, na vivência comunitária, na missão e na diaconia, uma prática em favor da inclusão social, superando toda espécie de exclusões;

- assumir com mais intensidade nossa responsabilidade pública, contribuindo para fazer do Brasil um país mais justo e mais solidário, superando a pobreza e a miséria;

- conjugar nosso envolvimento ecumênico com nossa tarefa de missão, no sentido de proclamar com destemor as razões evangélicas da esperança que há em nós em face dos desafios que se nos apresentam em nossa realidade, concomitante com o pleno respeito à diversidade de opções religiosas.

Imploramos ao Deus de toda graça que acolha nossa gratidão, seja benevolente para com nossa culpa e nos ampare em nosso compromisso.

24.º Concílio da Igreja
São Leopoldo, 16 de outubro de 2004
 


Âmbito: IECLB
Área: História / Nível: 200 Anos de Presença Luterana no Brasil / Instância Nacional: Concílio
Natureza do Texto: Manifestação
Perfil do Texto: Manifestação oficial
ID: 12589
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Ainda não somos o que devemos ser, mas em tal seremos transformados. Nem tudo já aconteceu e nem tudo já foi feito, mas está em andamento. A vida cristã não é o fim, mas o caminho. Ainda nem tudo está luzindo e brilhando, mas tudo está melhorando.
Martim Lutero
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