A distância da indiferença

10/10/2019

Acredito que o ódio não é o pior sentimento que pode ser cultivado na vida – alguns se arriscam a dizer que o amor e o ódio estão muito perto um do outro. Penso que o pior sentimento que podemos ter é a INDIFERENÇA. A “indiferença” é um tipo de “tranquilidade” que não quer se envolver com as situações; é uma falta de interesse, de atenção, de cuidado, de consideração; indiferença é uma forma de descaso com o próximo, é um desdém.

A indiferença é um sentimento que permeia o texto bíblico de Lucas 16.19-31 (leia em sua Bíblia!). Esse texto bíblico não é uma espécie de “geografia do céu e do inferno”, não é um ensinamento sobre como é o “além”. O texto bíblico é uma parábola, é uma “historinha” contada por Jesus cujo objetivo é provocar um questionamento, uma reflexão que leve ao entendimento do Evangelho e a uma tomada de posição. De um lado, esta parábola dirigi-se aos fariseus (Lucas 16.14), aqueles que Jesus chama de “avarentos”. De outro lado, é uma advertência aos discípulos e às discípulas de Jesus de ontem e de hoje.

Jesus conta a parábola apresentando os contrastes entre duas realidades: de um homem rico anônimo e de um mendigo que se chamava Lázaro, nome que significa “Deus ajuda”. Enquanto que o homem muito rico vestia roupas caras, dava festas todos os dias em sua casa, o homem pobre tinha o corpo coberto de feridas, e ficava por perto da casa do rico para ver se sobrava alguma migalha de comida para ele.

Uma cena comum que pode ser vista diariamente nos palcos da vida. Mesmo separados pela distância da indiferença, o rico e o pobre viveram bem próximos um do outro. O rico não vê nada, sequer percebe a presença de Lázaro. Ele vivia extremamente para si, fechado no seu mundo de bens, luxo, festa e comilança. Uma pessoa insensível ante a situação de fome, doença e dor do pobre que estava junto à porta de sua casa. Lázaro era um entre tantos marginalizados da cidade. Só os cães de rua se aproximam dele para lamber-lhe as feridas (até na Bíblia, cães são descritos como companhia amiga!). Sua única esperança é Deus.

O uso egoísta dos bens materiais cavava um abismo entre o rico e o pobre. Jesus desmascara esta realidade da sociedade onde as pessoas estão separadas por uma barreira invisível, essa porta que o rico nunca atravessa para aproximar-se de Lázaro. Eis que vem a morte e colhe estas duas vidas. O rico deve ter tido um enterro com toda solenidade e pompa, enquanto que Lázaro deve ter sido sepultado como um indigente.

Após a morte, as “sortes” se invertem: O que antes sofria passou a sorrir e o que antes sorria passou a chorar. Lázaro é levado pelos anjos ao “seio de Abraão”, ou seja, para o Reino. O rico está embaixo, na morada dos mortos (Sheo’l – lugar da nulidade), no meio de tormentos. O rico, que antes tinha comidas e bebidas finas à sua disposição, agora implora por uma simples gota d’água. Porém, um abismo intransponível separa os dois.

O homem rico percebe que sua situação é irreversível, porém se lembra dos cinco irmãos que ainda estavam vivos. Conhecendo bem os irmãos, ele sabe que estes provavelmente vão herdar o mesmo destino dele. No entanto, por ainda estarem vivos, podiam mudar seu futuro. Clamando a Abraão, o homem rico é lembrado de que os cinco irmãos têm a Lei de Moisés e os Livros dos Profetas, basta segui-los. O homem rico crê que faz parte do povo de Deus, chamando Abraão de “pai”. Porém, não basta ser “filho de Abraão”, é preciso escutar as Escrituras e demonstrar solidariedade e justiça para com os irmãos que sofrem necessidade.

O profeta Isaías diz o que os filhos de Abraão devem fazer: “repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu e não se fechar à sua própria gente” (Isaías 58.7).

Com esta parábola Jesus está denunciando a falsa religião dos fariseus, que se dizem filhos e filhas de Abraão, mas acumulam os bens dos pobres, reduzindo à miséria muitos filhos e filhas de Abraão, irmãos e irmãs deles. Esta parábola é uma crítica de Jesus a um sistema opressor que gera indiferença diante do sofrimento de quem está na miséria.

Em nenhum momento na história a riqueza é colocada como algo ruim e que encaminha pessoas para o sofrimento depois da morte. O erro do rico (e de muitas pessoas) foi ser autossuficiente em sua riqueza, esquecendo-se de Deus, o doador da vida; e de não ver, não se solidarizar com o pobre, com a pessoa que precisava de sua ajuda. Da mesma forma, o texto não idealiza a pobreza e o sofrimento com a recompensa celestial. Lázaro não é melhor que o rico somente por ser pobre. O que diferencia Lázaro está expresso no significado de seu nome: só resta esperar pela ajuda de Deus.

A parábola é uma advertência e apelo à conversão dirigida a todos nós, discípulos e discípulas de Jesus. Quem escuta a Palavra de Deus não pode viver descompromissado com a realidade à sua volta. O maior pecado para com os nossos semelhantes, não é odiá-los, mas sim tratá-los com indiferença; essa é a essência da desumanidade.

Quem segue Jesus vai se tornando mais sensível ao sofrimento daqueles que ele encontra em seu caminho. Aproxima-se do necessitado e, se estiver em seu alcance, procura aliviar sua situação. Recordemos que assim como os cinco irmãos do homem rico, nós ainda estamos aqui, ainda temos a oportunidade de ouvir da Palavra e agir de forma diferente.

Felizes as pessoas que seguem Jesus, rompendo barreiras e atravessando portas, abrindo caminhos e se aproximando dos últimos. Essas pessoas encarnam o “Deus que ajuda”.


P. Gerson Acker


Autor(a): P. Gerson Acker
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 53717
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