Se Lutero vivesse hoje, quais seriam seus protestos?
O dia 31 de outubro marca o Dia da Reforma Luterana. Nesse dia, no ano de 1517, Martim Lutero tornou conhecidas as suas 95 teses em Wittenberg (Alemanha), apontando para o verdadeiro tesouro da Igreja. Suas teses tinham como centro Jesus Cristo e sua salvação por graça e fé.
Em vários momentos já me flagrei pensando: e se Lutero vivesse hoje, quais seriam as reformas propostas por ele? Penso que, entre outras, sua crítica viria contra um novo sistema de venda de indulgências que se estabeleceu em muitas igrejas. Poderíamos chamá-las de neo-indulgências, pois elas vêm num novo formato, mas o princípio motivador continua sendo mesmo: vender as bênçãos de Deus. Não raras vezes ouvimos “propagandas” de produtos abençoados, como sabonete do descarrego, rosas santificadas, areia ou pedras do rio Jordão, sal abençoado, azeite de Israel e outros produtos. Tudo pode ser adquirido mediante um pagamento e são as garantias de bênçãos na vida. Esse mundo dos negócios celestiais não pára por aí. Envolvem ainda franquias de igrejas, aquisição de jornais e emissoras de televisão e rádio, compra de espaços em emissoras de TVs e rádios comerciais, ocupação de espaço na indústria fonográfica, campanhas de captação de dízimos, marketing eclesiástico e outros. O autor do livro O Dinheiro e a Natureza humana - Como chegamos ao Moneycentrismo, do economista Ednaldo Michellon, afirma que a força do dinheiro é tamanha na sociedade pós-moderna que conseguiu subverter até mesmo aquilo que deveria funcionar como resistência a essa influência: a religião, ou mais especificamente, o cristianismo. A adoção de uma atitude mercadológica por parte das igrejas evangélicas neopentecostais minou o poder da mensagem cristã como instrumento de transformação da sociedade. E acabou por enfraquecê-la. Desapontados com igrejas que prometeram bênçãos divinas em troca de ofertas e não as entregaram, os fieis acabaram num segundo estando de desalento, bem pior do que o primeiro.
Certamente outro protesto de Lutero seria referente ao período de formação de muitos pastores que criam suas próprias igrejas. Lutero sempre defendeu a responsabilidade de cada cristão em pregar a Palavra de Deus. Porém, também defendeu que os pastores da Igreja tivessem boa formação, a fim de poderem fazer boa orientação aos fiéis que os escolheram como guias espirituais. Infelizmente o que temos visto são anúncios de cursos expressos para formação pastoral, como, por exemplo, consta no anúncio no Jornal do Brasil: Formação de pastor a R$ 600, mestre em Bíblia a R$ 1.300 e doutor em divindade a R$ 1,500. Faça o curso por correspondência e tenha a sua própria igreja! Em 90 dias receba o diploma e a carteirinha em casa. Quem quiser se tornar pastor faz depósito e espera em casa o kit - pastor - o pacote com apostilas, provas e CDs com 10 milhões de e-mails de igrejas (Jornal do Brasil, 14/05/2006 . p. 2.)
Acredito que Lutero certamente também faria sua crítica às igrejas históricas. Vejam que o senso do IBGE, realizado no ano 2000, mostrou que o número dos “sem igreja”, ou seja, de pessoas que estão deixando de freqüentar regularmente uma igreja tem crescido vertiginosamente. São pessoas que querem se relacionar com Deus, mas que não conseguem vê-lo nas instituições religiosas. Infelizmente, muitas comunidades estão egoisticamente concentradas apenas em si mesmas, como verdadeiros clubes sociais, realizando reuniões, administrando orçamentos e construindo prédios sem saber qual o objetivo de seu trabalho, e quando estabelecem tarefas, estas não estão de acordo com o plano de Deus para a Igreja.
Deus não tem outro meio para espalhar a mensagem do evangelho e salvar vidas no mundo, a não ser a Igreja. Por isso a necessidade de uma preocupação constante com a clareza na teologia, a preservação da confessionalidade, a vivencia da espiritualidade e da comunhão e a prática da ação missionária e diaconal.
Certamente os ideais luteranos são capazes de questionar a Igreja de Jesus Cristo do nosso tempo. Bem-aventuradas são a igrejas que se predispõem a constante reforma, abrindo-se aos questionamentos do Evangelho e procurando seguir os caminhos propostos por Jesus Cristo.
P. Fábio B. Rucks
Paróquia Evangélica em Giruá – IECLB
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